Segunda-feira, 14 de Novembro de 2016 às 17:07 Postado por A COZINHA DOS QUILOMBOS News

Quilombo de Maria Romana Cabo Frio, Região das Baixadas Litorâneas

Quilombo de Maria Romana Cabo Frio, Região das Baixadas Litorâneas

A culinária e a gastronomia são artes da conexão. Muitas vezes, na cozinha, em torno da mesa, emergem significativas histórias para aqueles que as partilham. No Quilombo de Maria Romana, o conhecimento sobre essas práticas tem favorecido a construção de vínculos entre as pessoas e a trajetória histórica do grupo.

Os remanescentes de quilombo dessa comunidade, localizada em Tamoios, segundo distrito de Cabo Frio, totalizam, aproximadamente, 1.700 habitantes. Atualmente, grande parte dessas pessoas vive fora do território da comunidade. Entretanto, desde a certificação do grupo como quilombola, em 23 de setembro de 2011, esse processo tem se revertido paulatinamente: os indivíduos estão retornando às terras de seus antepassados. Esse fato torna o conhecimento das práticas realizadas pelos antepassados em um elemento agregador para os componentes do grupo.

Com efeito, Lamiel Leopoldino Barreto, de 42 anos, presidente da Associação da Comunidade Quilombola de Maria Romana, atento a essa necessidade, tem utilizado os relatos orais para produzir registros documentais do grupo. Assim, ele conta: “minha bisavó veio da África e que meu bisavô trabalhava para a fazenda plantando mandioca, milho, feijão. Só que o fazendeiro fazia pra eles casa de madeira, que só durava um ano, pois, assim, eles se mudava, e eles ficava com a plantação, pois a casa caía, e eles era obrigado arrumar outro lugar para morar. O meu bisavô, quando acabou a escravidão, resolveu comprar um terreno, pois não queria ver seus filhos sofrer igual ele. [...] Ele pagava um dia por semana ao fazendeiro e pagava a dívida com ele e, assim, ele conseguiu dinheiro; conseguiu deixar seus filhos com terra que nelas mora até hoje”.

Como as terras ocupadas por parte do grupo não são suficientes para o número de pessoas identificadas como pertencentes ao Quilombo de Maria Romana, a titulação por meio da ancestralidade quilombola é uma forma de assegurar que todas as famílias sejam contempladas. Nesse sentido, destaca Lamiel: “E agora buscando a titulação só por causa da coletividade, porque a terra que nós temos é insuficiente para o tanto de família, entendeu? O governo determina 14 hectares para cada família.” Conclui: “Quem tem terra, gente, tem tudo. O sonho de muita gente é ter terra.”

Com entusiasmo, Lamiel também relaciona as receitas aos afetos familiares: “a gente gostava muito que ela [a tia] fazia. Aqui não chama de bolinho de chuva; chama de bolinho de pobre, que é aquele bolinho de trigo, mas não é de pobre, que é uma delícia! Minha tia fazia, e é uma delícia. Mas a coisa que eu mais gostava mesmo quando que ia na casa dela, que ela fazia carne de porco. E a carne de porco que ela fazia era muito boa, muito boa mesmo [...] quando eu falo, eu lembro do paladar da carne de porco que ela fazia”.

No decorrer da conversa, Márcia Oliveira Macedo, esposa de Lamiel, preparava a galinha caipira. Para Lamiel, essa receita relembra sua própria mãe: “Com todo respeito à esposa, que eu amo de paixão, mas a minha mãe faz uma galinha que não tem pra ninguém. [...] é a tradição, é a tradição galinha caipira com aipim, não tem jeito! Como que a mulher faz, eu não sei, eu só sei que eu fiz quando eu era criança, minha mãe me ensinou fazer. [...] Minha mãe que ensinou. Aí, hoje quem faz é a esposa, a esposa faz, e todo mundo que vem e adora.”